setembro 14, 2012

A morte e as palavras


Eu escrevo esta carta para todos os escritores que Portugal conheça e carregue debaixo do chão e por baixo das águas que banham a cabeça da Europa.
Escrevo para que se perceba que a escrita não é um bolo e um chá em cima de uma mesa de café, nem uma taça de cerejas numa tarde de verão. A escrita é voraz, dói, magoa e arranha-nos as paredes do cérebro de cada vez que pensamos que a lógica das palavras finalmente acordou numa frase até chegar ao ponto final.
Mas a verdade é, que a escrita é velha. coxeia e adormece-nos mais que nos mantém vivos, mas precisamos dela. Não andamos por aí a escrever porque “isso” existe e porque a deixaram à porta, essa tarefa de crianças. Fazemos isso porque necessitamos de algo que nos cure de nós mesmos e nos livre do inferno da realidade, devagar ou aos bocados. Somos nós a lentidão e a repartição das palavras, no entanto, a verdade é que fingimos de conta que essa não é a realidade que gostaríamos de carregar aos ombros uma vez por outra.
Sim, porque das outras dói-nos os ossos da escrita e ficamos fartos desse silêncio que enche a casa. Saímos para a rua e procuramos conforto noutro espaço, sim esses espaços que o vazio oferece ou que as ruas que conhecemos desde que nascemos nos estendem quando o sol decide aparecer cedo. Sim, escrevemos em casa.
Vivemos durante tantas épocas dentro dessa escuridão, que só desejamos um pouco de sol, um certo quente nas costas e um nervoso na barriga do saber que nunca acaba. É isso que dói, o saber que quando começa não cansa, mas prende e o prender cansa e rouba-nos do resto do mundo. Escrevo para que saibam que é duro e muita gente pode nunca chegar a saber que é duro, porque se servem de chá e bolos todos os dias às 17h numa sala com papel de parede comido.
Quando chegarmos a essa consciência nobre vamos poder deixar de nos magoarmos com a ausência dos outros. Há sempre espaço para as palavras, não para as pessoas. Porque as palavras matam as pessoas, por isso é que no silêncio da noite nos vermos verdadeiramente ao espelho, quando as cartas estão espalhadas no chão e entra ar fresco pela janela do quarto.
Nesse instante ouvimos o calor do mundo e vemos do outro lado da cama a possibilidade de muitas coisas que nos mói, porque nas histórias existem muitas coisas que nunca tiveram existência.
Saber isso é desejar a morte cedo. É ter cancro na imaginação e colocar um penso na testa para fingir que desinfectamos a ferida da escrita.
Ninguém se cura, ninguém é feliz só disso, mas damo-nos ao luxo de nos magoarmos constantemente, e dor é sinal de vida e queremos viver tanto quanto nos seja possível para encontrarmos as respostas que nunca ninguém nos vai dar.
As respostas estão noutro sítio, noutro fundo, noutro chão. No chão frio e duro no qual nos deitamos todas as noites.
Escrevemos para isso não é? Para largarmos os demónios que vivem de nós e dentro de nós. Escrevemos assim não é? Às escondidas com medo que a verdade seja conhecida, levada a quem realmente lhe pertence.
Escrevemos para ficarmos bem, para estarmos bem e para nos sentirmos bem. A morte é tanta que nos traz os sentidos de volta, mas no dia em que isso acontecer vamos estar condenados à boca fechada e ao corpo preso.
Eu escrevo porque me cura, porque me arranca do chão e porque me mantém à superfície no afogamento da vida.
Sim, escrevo. Doo. Magoo. Curo-me. Mato-me.
Afinal estamos todos já a morrer há muito tempo.

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