abril 12, 2012

A vida tem duas portas

Quando há chuva há uma tendência para me fechar no comboio e observar o mar entre as duas cercas transparentes que oferecem a vista das águas da escaldante Lisboa. Hoje não há nada que expluda e cuspa fogo. Hoje não há sonetos nas janelas nem florestas aromáticas. Só há um perfume de incerteza e quando chove eu prefiro olhar para o resto. Hoje não me apetece olhar para dentro e observar-me a viver. Ainda ontem a vida parecia de outra cor e hoje já roubaram a esperança dessa cor. Eu sou assim, sentimental, triste, sem volume, e quando a chuva cai dos céus eu fico ainda mais pequena como os barcos que permanecem eternos no cais. Há horas jogávamos ao jogo das perguntas debaixo de água e respondias com certezas e não desconfianças. Brincámos às existências, ficámos debaixo da soleira do Verão enquanto o Inverno nos passou ao lado e conseguimos representar sem mentir e viver sem existir. Hoje não há questões quando ontem cada explicação acabava com uma pergunta. Será que te apaguei da memória por pensar demais em ti? Será que te afastei sem sequer ainda te ter aproximado? É que me pareceste tão na palma da minha mãe e soube bem ter-te durante algumas horas. Soube-te bem? É que eu não sou apenas o que olhas para fora dos teus olhos, eu não sou apenas a visão da realidade mas o que te vai aí dentro dessa tua mente confusa. Nós não somos apenas parte do predicado um do outro mas também o sujeito. Foste tu que disseste que nos conhecíamos dentro dos outros, mas tu não sabes metade de ti e precisas de a agarrar antes que eu faça parte dela. Eu quero ser o teu sujeito e o teu presente mas será que vivemos em passados diferentes e que apenas nos encontrámos para ter a certeza que o tempo passa sobre nós? Eu não acredito em amores assim. Eu acredito na construção e neste dia de chuva ainda não há telhado sobre nós. Portanto vamos acabar com o jogo. O que somos nós?

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