janeiro 25, 2012

Os nossos casacos vermelhos

Ali não há o retrato sujo da inocência. Eu já fui como tu. Não tive a coroa negra na raiz dos olhos, mas tive esses dedos pequenos e essa razão que todas as crianças têm. Eu também me deixava mergulhar pelo silêncio e tinha receio da altura de ambos os meus lados. O mundo encarrega-te de te tornar numa certeza cheia de dúvidas, esculpida num corpo que tem vivido mais estreito, mais frágil mas mais capaz, cada vez mais perto da fronteira dos desafios. Ali, naquelas terras que observavas à tua volta, não existe o escuro, eu percebo. É fácil mentir onde ninguém percebe a mentira e por isso é que negavas todas as ofertas que a tua avó fazia. Ela estava muito longe, tu estavas do outro lado da barreira e comias gelados com os olhos sem te entregares à tristeza. Talvez te formes no meu inverso mas tens ali bem perto das pontas dos dedos a magia a querer sair, a querer fugir para fora do corpo. A única coisa que aprendi desde então foi que muitos olhos são cegos. Carpem e cospem a magia das mangas dos outros, mas eles mesmos vestem casacos de manga curta. Para eles não existe limite, para eles não existe céu e nenhum deles tem uma gabardina vermelha como a nossa.

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